Entre outras dívidas que tenho para com a memória de Jorge Amado está a de ele me ter apresentado, em 1972,
Gabriel foi extremamente amável e me disse que éramos colegas. Colegas no jornalismo, o que o autorizava a ver-me também como escritor. O bom jornalismo é sempre boa literatura, disse. E quem não sabe escrever, não faz literatura, nem jornalismo. Só pode ser considerado jornalista ou escritor aquele que vive do que escreve.
Ele me surpreendeu pelo bom humor. Antes Astúrias me impressionara pela sobriedade. Enfim, entre um e outro, havia quase trinta anos de diferença.
Não o vi em Praga, quando ali encontrei, em dezembro de 1968, Carlos Fuentes e Julio Cortazar. Ele, naquela noite - que foi a do AI-5 no Brasil - era convidado especial de Milan Kundera. Eles, juntamente com Jean Paul Sartre, haviam sido convidados pelos intelectuais tchecos, para assistir à premiére de Les Mouches, a peça do escritor francês.
Leio, agora,
Gabriel está com demência senil, um dos sinônimos da Doença de Alzheimer. Com a memória, ele perdeu também as letras. Não escreverá mais - de acordo com a dolorosa conclusão do irmão. Mas ainda o teremos com vida: é o consolo que nos dá Jaime Garcia Márquez. Enquanto procurar o passado, Gabriel, de um mundo que se esvazia, estará voltando ao mundo que criou.
Em Roma, em 1987, José Saramago, outro que deixou o jornalismo pela literatura, me disse que gostaria de morrer quando estivesse buscando a frase ideal para colocar na boca de um personagem estúpido: “quando não conseguir mais isso, estará na hora de morrer”. Mas Saramago era homem de uma Europa sempre angustiada. Gabriel é homem de nossa América, e, por isso, insiste em recuperar a vida que se esmaece, porque na vida, em nossa geografia humana, sempre habita a alegria da esperança.