sexta-feira, 27 de maio de 2011

COMO SE MATA UM POETA

Federico Garcia Lorca revia os originais de A casa de Bernarda Alba, ao lado do piano. Eram os primeiros dias do levante fascista de Franco contra a República, e ele tinha medo. Ali, no segundo andar da casa de destacado membro da Falange, o poeta e amigo Luis Rosales, onde, isolado, se escondia, sentia-se assustado, inquieto, insone. A 300 metros estava o centro da repressão. A casa estava vazia de homens: todos estavam metidos na guerra que se iniciava. Com a dona da casa, mãe de Rosales, que se chamava Esperanza, sua filha e sua irmã, o poeta se sentia um pouco confortado, mas as via raramente. Sua última peça, talvez a mais densa, lhe retardara a partida para Granada com seus pais, no dia 5 de julho de 1936. Ele preferira ficar mais alguns dias na capital, a fim de ler os originais de A casa de Bernarda Alba para os amigos. No dia 13, quando o governo da Frente Popular, eleito em fevereiro, enfrentava várias contradições, Federico tomou o trem para sua cidade, e, ao chegar, seguiu logo para a chácara familiar, em Fuente Vaqueros. No dia 17, ocorreu a sublevação militar em quase todas as grandes cidades espanholas. Lorca começou a sentir-se em perigo. Ao perceber que sabiam de sua presença em Fuente Vaqueros, pediu asilo a Luis Rosales, seu amigo pessoal. No dia 5 de agosto, Rosales o buscou e o levou .para sua casa em Granada.

Ali recolhido, Lorca sabia vagamente do que estava ocorrendo à noite, quando Luis Rosales lhe dava informações. Ele parecia arrependido de não ter fugido para mais longe: a violência dos franquistas na Andaluzia era mais exacerbada do que no resto do país, Desde a manhã de 18 de julho, a guarnição militar de Sevilha se encontrava sob o comando de Queipo de Llano. A República se perdera nas divisões internas, a partir do assassinato de Calvo Sotelo, e hesitara naquelas primeiras horas do alçamento do Exército.

Federico, segundo se sabe, nada escreveu nos 11 dias em que esteve na casa dos Rosales. Sua mente .caminhava entre A casa de Bernarda Alba, edificada com sua emoção, e as próprias lembranças. Aos 38 anos, depois de vida intensa sob o aplauso do mundo, centro de um grupo em que brilhavam Buñuel, Dali, Rafael Alberti, Miguel Hemandez e Neruda, o criador de Romancero gitano, La casada infiel e Bodas de sangre estava com os olhos vazios. Sua carreira durara 19 anos apenas, mas o fizera o maior dos poetas espanhóis, desde o século de Cervantes.

Preso na tarde de 16 de agosto, Lorca foi levado para a sede do governo civil. Na manhã do dia 18 ou 19 (a data não é precisa) chamaram-no. Pressentiu o fim. Pediu um padre, mas o sacerdote já se fora, informado de que não haveria execuções naquela manhã. Nas cercanias de Granada, entre Viznar e Alfacar, ele foi fuzilado junto com três outros. Um de seus companheiros era o professor primário Dióscoro Gonzalez, que usava muletas. Lorca amparou-o, em seu próprio ombro, para que morresse de pé.

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