tag:blogger.com,1999:blog-33233258490171196952024-03-19T16:16:16.430-07:00cadernosUnknownnoreply@blogger.comBlogger9125tag:blogger.com,1999:blog-3323325849017119695.post-12911475484945662322013-02-24T16:51:00.001-08:002013-02-24T16:51:53.539-08:00AS USINAS DE FERNANDO LYRA<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEik3udfTgAyXK5m4WukQx4fs8P5U8zIqcEHlaV_WN7U9f-5FmtJPSWySNGYE0e9RACCel5bFj2PFFMzu_g22jNOrD7S9E9PsZGolGXSOKnpxvXu9A5Rgjot91O1HnwwgnvRj0IM-32L4QI/s1600/LYRA.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEik3udfTgAyXK5m4WukQx4fs8P5U8zIqcEHlaV_WN7U9f-5FmtJPSWySNGYE0e9RACCel5bFj2PFFMzu_g22jNOrD7S9E9PsZGolGXSOKnpxvXu9A5Rgjot91O1HnwwgnvRj0IM-32L4QI/s320/LYRA.jpg" width="211" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 22pt;">(JB) - Um leitor, em comentário
sobre a morte de Fernando Lyra, identificou-o como “usineiro”. Nada o teria
feito rir melhor. Há Lyras e Lyras no nordeste. Fernando procedia de família de
pequenos agricultores de Lagoa do Gato, um dos lugares mais pobres do Agreste.
Seu pai, ao deixar a região, fez-se modesto empresário. Com o tempo seus
negócios cresceram e permitiram a Fernando formar-se em direito em Caruaru.
Essa origem de classe, associada a outras virtudes suas, fizeram-me admirador e
amigo de Lyra nos últimos trinta anos – títulos que compartilho com centenas de
outras pessoas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 22pt;">A notícia de sua morte
chegou-me em hora pessoal já amarga: acabara de sepultar a mãe de Wania, minha
mulher, em Belo Horizonte, o que me tocara fundamente, por ter sido, contra o
lugar comum, uma amiga muito querida há 54 anos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 22pt;">Em seguida à
notícia, comentamos, o médico Aloizio
Costa e Silva e eu, a esfuziante personalidade
de Fernando Lyra, como a ele se referiu, em minha presença, o professor
Affonso Arinos de Mello Franco. Todos admiravam a capacidade política do
parlamentar pernambucano, fosse como analista dos movimentos históricos, que o
faziam antecipar os fatos, fosse como o articulador que conseguia submeter as
circunstâncias aos seus projetos – todos eles em favor da nação e de nosso
povo. Essas eram as usinas que Lyra sabia administrar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 22pt;">É bom repetir que os
pernambucanos, os gaúchos e os mineiros – sem desmerecer o patriotismo dos
outros brasileiros – tiveram o privilégio histórico de comprometer-se mais com
a construção da nacionalidade. Em Guararapes nasceu a própria idéia de Nação, e
nação mestiça, com a aliança de índios, negros e brancos, que expulsou os
holandeses; coube ao Rio Grande riscar, com sangue, a fronteira meridional, em
300 anos de refregas com os castelhanos; em Minas, ferida em suas entranhas
para a extração do ouro e gemas, nasceu a consciência do Estado para garantir a
soberania nacional. Não é por acaso que essas três grandes províncias tenham
sido aliadas nos momentos mais fortes de nossa história ainda curta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 22pt;">Fernando via essa
aliança necessária, com seu instinto de animal político, sem as construções
demoradas do pensamento acadêmico. Ele quase a sentia na pele. Talvez tenha
sido essa consciência poderosa que o levou a Belo Horizonte, no momento mesmo
da posse de Tancredo, como governador de Minas, a fim de instá-lo a disputar a
presidência da República. Fernando, no livro que escreveu sobre esses fatos, e
que tive a alegria de prefaciar, disse acreditar que Tancredo não queria a
chefia do Estado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 22pt;">Nisso, ele se
equivocava: Tancredo chegara ao Palácio da Liberdade convencido de seu dever de
dar um fim à Ditadura e presidir à reconstrução do Estado Republicano, mediante
a aglutinação do centro político. A leitura de seu discurso de posse, a partir
da frase inicial – O primeiro compromisso de Minas é com a liberdade – não deixa
dúvida. Tratava-se de claro manifesto de ação política.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 22pt;">Isso não diminui, em
nada, os méritos de Lyra, que se empenhou, dia e noite, na luta pela vitória de
Tancredo e na difícil missão que o mineiro lhe impusera, a de Ministro da
Justiça da transição. Tancredo – que ocupara o mesmo cargo nas horas graves de
1954 – sabia que a esse Ministério, desde o Império, cabiam as tarefas mais
duras da condução da política interna e da articulação com o Parlamento, hoje
deslocadas para o gabinete presidencial. Lyra assim entendeu a missão e a
cumpriu, com autoridade, diligência e sem jactância.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 22pt;">Ele soube assessorar-se
de acadêmicos de sua confiança, como os
professores José Paulo Cavalcanti Filho, Christóvam Buarque, Joaquim Falcão,
Marcelo Cerqueira e Sigmaringa Seixas, dando ao Ministério talvez o mais
importante suporte intelectual de sua história. Foi essa equipe que, sob a
chefia do Ministro, cumpriu a corajosa decisão de Sarney, a de se desfazer da
legislação autoritária do regime militar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 22pt;">Recordo-me, pessoalmente,
de um fato significativo. No minuto seguinte ao da posse no Ministério,
Fernando mandou que os guardas armados das entradas do edifício se recolhessem
às suas repartições. O Ministério se abria ao povo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 22pt;">Ao cuidar da organização
e administração da Comissão Arinos, como um de seus membros, ajudei Fernando
nessa tarefa de que Tancredo, pessoalmente, nos encarregara. Foi assim que, a
pedido do presidente eleito, convidamos o professor Arinos a chefiar o grupo.
Foi quando o grande jurista se referiu “à esfuziante juventude” de Lyra, ao
mesmo tempo em que manifestou o seu respeito à sabedoria de Tancredo em
nomeá-lo para a pasta da Justiça. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 22pt;">Como amigo, sofro a
perda de Fernando com quem conversava quase todas as semanas, e sempre sobre o
Brasil. Como cidadão, lamento a sua falta nesses próximos e atribulados meses
do processo sucessório que já se abriu. Ele saberia construir a aliança
necessária entre as lideranças regionais, em favor da democracia brasileira.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 22pt;"><br /></span>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 22pt;">Este texto foi publicado também nos seguintes sites:</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 22pt;"><br /></span>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 22.0pt; line-height: 115%;"><a href="http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2013/02/15/as-usinas-de-fernando-lyra/">http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2013/02/15/as-usinas-de-fernando-lyra/</a><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 22.0pt; line-height: 115%;"><a href="http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2013/02/15/santayana-e-as-usinas-de-lyra/">http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2013/02/15/santayana-e-as-usinas-de-lyra/</a><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 22.0pt; line-height: 115%;"><a href="http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/02/as-usinas-de-fernando-lyra.html">http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/02/as-usinas-de-fernando-lyra.html</a><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 22.0pt; line-height: 115%;"><a href="http://www.paulotimm.com.br/site/pags/noticias3.php?id=189">http://www.paulotimm.com.br/site/pags/noticias3.php?id=189</a><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 22.0pt; line-height: 115%;"><a href="http://porsimas.blogspot.com.br/2013/02/as-usinas-de-fernando-lyra.html">http://porsimas.blogspot.com.br/2013/02/as-usinas-de-fernando-lyra.html</a><o:p></o:p></span></div>
<a href="http://luishipolito.dihitt.com.br/n/politica/2013/02/15/conversa-afiada-santayana-e-as-usinas-de-lyra" style="font-size: 22pt; line-height: 115%;">http://luishipolito.dihitt.com.br/n/politica/2013/02/15/conversa-afiada-santayana-e-as-usinas-de-lyra</a><span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: 22pt;"> <o:p></o:p></span></div>
Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3323325849017119695.post-70049150657870566032013-01-11T13:15:00.002-08:002013-01-11T13:16:03.008-08:00RUBEM BRAGA E O PODER<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjJ0EnzHo7bDKxEw2VOB8NIG-lGLtI9MQMWHysOZQeZiM4xUx3lJOUrMVJ33de_Qz0MclJP2zfGU-IV2S6Y7-cH7C1fZtORtv-oLQ-Ms5L52yUsFNwKI1YBZnrYOpkBjKhoCS5Cu5WTGM8/s1600/rubem-braga.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjJ0EnzHo7bDKxEw2VOB8NIG-lGLtI9MQMWHysOZQeZiM4xUx3lJOUrMVJ33de_Qz0MclJP2zfGU-IV2S6Y7-cH7C1fZtORtv-oLQ-Ms5L52yUsFNwKI1YBZnrYOpkBjKhoCS5Cu5WTGM8/s320/rubem-braga.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 22.0pt; line-height: 115%;">Em 1990, Rubem Braga
descobriu que estava com câncer. O presidente Collor confiscara todos os haveres
bancários, incluídos os das cadernetas de poupança. Carlos Castello Branco –
que não era amigo do cronista e havia feito uma cirurgia nos Estados Unidos,
para livrar-se de mal semelhante – escreveu-lhe uma carta. Nela, com grande
otimismo, aconselhava o autor de O Conde e o Passarinhoa tratar-se no mesmo
hospital em que se tratara, creio que em Houston.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 22.0pt; line-height: 115%;">Rubem disse aos amigos
comuns que iria a Houston, com prazer, desde que o governo liberasse as suas
aplicações. Sua amiga Vera Brant acionou as excelentes relações em Brasília,
para que o dinheiro de Rubem – não tão grande assim – lhe fosse entregue para a
viagem e o tratamento, comunicou ao cronista as suas diligências e a confiança
em que tudo seria resolvido logo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 22.0pt; line-height: 115%;">O Ministério da Economia
informou que se todos que estivessem com câncer pedissem a liberação de seus
haveres, o Plano Collor Fracassaria<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 22.0pt; line-height: 115%;">Rubem, segundo alguns
amigos, começou a pensar na viagem, enquanto o tempo passava. Uma semana, duas
semanas, um mês – e nada. As pessoas do governo, contatadas por Vera Brant,
davam vagas informações do pleito, até que a brava mineira reclamou uma
resposta clara: o Ministério da Fazenda – ou da Economia, não me lembro ao
certo – informou que se todos os que estivessem com câncer pedissem a liberação
de seus haveres, o Plano Collor fracassaria.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 22.0pt; line-height: 115%;">Vera então imaginou um
ardil. Disse a Rubem que o dinheiro já estava liberado, mas dependia de meras
providências burocráticas. Assim, ela e outros amigos iriam adiantar-lhe a
importância necessária para a viagem, e ele, quando recebesse seu dinheiro,
poderia devolvê-la.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 22.0pt; line-height: 115%;">Rubem agradeceu muito, mas
como homem honrado e orgulhoso, não aceitava. Percebera a manobra amiga da
escritora, agradeceu, recusou com elegância e polidez. Não era um necessitado,
só queria que lhe devolvessem as economias que fizera, e com as quais cuidaria
da própria saúde. Entendia a solidariedade de Vera e seus amigos, mas era um
homem soberbo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 22.0pt; line-height: 115%;">Quando percebeu que não
havia outro jeito, tratou de se preparar para o pior. Com o dinheiro que
reunira, de seus salários na televisão, Rubem foi a São Paulo, onde funcionava
o único crematório no Brasil, indagou pelo preço, preencheu o cheque. E quando
lhe perguntaram onde se encontrava o corpo, apontou o próprio peito, e disse
que seriam informados na hora certa, mas descontassem o cheque logo. Voltou
para o Rio, reuniu os amigos em seu apartamento, dois dias antes da morte, e
falaram de tudo, dos ausentes, das mulheres amadas, daquele verão, com seu sol
e suas chuvas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 22.0pt; line-height: 115%;">Conheci Rubem em 1956, em
Belo Horizonte, quando ele esteve na redação do Diário de Minas, para ver o
jornalista Hermenegildo Chaves, de quem havia sido companheiro noDiário da
Tarde no início dos anos 30. Rubem tinha então 43 anos e estava no auge de sua
carreira. Sempre que eu ia ao Rio, eu o
visitava e, enquanto trabalhava com Chaves – que tinha o apelido de Monzeca –
era portador de cachaça e requeijão de Montes Claros que ele enviava ao amigo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 22.0pt; line-height: 115%;">Ao longo dos anos, sempre
que nos encontrávamos, ele era muito amável e conversávamos invariavelmente
sobre Minas e os mineiros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 22.0pt; line-height: 115%;">Lembro-me de sua irritação
quando descobriu que um sósia visitava escolas do Rio e se apresentava com
seu nome, sendo homenageado pelas
professoras e pelos pequenos alunos. Vociferava
contra o canalha, por enganar as crianças e as professoras ingênuas. Chegou mesmo a escrever uma crônica,
denunciando que havia no Rio um sujeito que tinha o péssimo hábito de se passar
por Rubem Braga. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 22.0pt; line-height: 115%;">Não houve, em meu modesto
juízo, quem melhor escrevesse em nossa língua portuguesa, nos dois lados do
oceano. Seu texto fluía como as águas limpas de um riacho na montanha,
contornando suavemente as rochas: sua profundidade se revelava, sem pudores e
sem disfarces, na superfície. Era, embora muitos assim não o vissem, severo
crítico da sociedade, já em seu tempo hipócrita e egoísta - embora muito menos
do que hoje.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 22.0pt; line-height: 115%;">Certo marido, alertado por
delator anônimo, surpreendeu a mulher em companhia do amante – e matou os dois.
No dia seguinte, a sua crônica se endereçou ao canalha responsável pela tragédia,
chamando-lhe hiena, e o cumprimentando pelo provável prazer diante dos mortos,
dos filhos órfãos, das famílias atingidas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 22.0pt; line-height: 115%;">Poucos conseguiram mostrar
a patologia do regime militar com a precisão de Rubem<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 22.0pt; line-height: 115%;">Poucos conseguiram mostrar
a patologia do regime militar com a
precisão de Rubem, ao compará-lo, em crônica, a “uma porca mal capada”. Os que
conhecem o meio rural sabem que
raramente a porca castrada com imperícia consegue sobreviver: sobre a ferida as
moscas pousam suas larvas, a infecção se torna invencível e o animal agoniza
lentamente – a menos que alguém o sacrifique. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 22.0pt; line-height: 115%;">Vai, aqui, modesta
sugestão aos responsáveis pelo ensino de nossa língua: adotem os textos do
velho Braga no ensino fundamental. Não há, neles, nada de politicamente
incorreto, posto que são, e declaradamente, subversivos contra a ordem do ódio,
as regras do ressentimento, o domínio do dinheiro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 22.0pt; line-height: 115%;">Aconselho, como
obrigatório, talvez o mais sério de seus textos, em que, aparentemente sem
assunto, narra tenaz acompanhamento do cronista a fugaz borboleta amarela nas
ruas centrais do Rio: alegre concessão da vida a si mesma, cumplicidade do
homem e do inseto, partilhando a alegria de estarem vivos, sem destinos, sob o
sol e o azul.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif"; font-size: 22.0pt; line-height: 115%;">Rubem foi um dos maiores
nomes da literatura brasileira. Há quem o compare a Machado de Assis. Ao autor
de Dom Casmurro - salvo em dois ou três contos, nos quais a ironia ainda era
mais forte do que a compaixão – faltava solidariedade para com o sofrimento e
não havia a alegria com a felicidade dos outros.<o:p></o:p></span></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3323325849017119695.post-3703823356171599322012-12-10T01:45:00.004-08:002012-12-10T01:46:56.972-08:00OSCAR, NO MUNDO E NO SÉCULO<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhAVeqIBJfSyy6hAKhVUJb9WvdJNY96Y9RUo-4sozxsmZF16U4GYZSIR2-WG37Zoljx7fb18Wk5BAwD3cdsaTq26SR9Bu95g9jKUKvZsJKmK_lWSbHH8HlwmYfJRsK5WxLkgzi2ureMm_E/s1600/OSCAR.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="304" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhAVeqIBJfSyy6hAKhVUJb9WvdJNY96Y9RUo-4sozxsmZF16U4GYZSIR2-WG37Zoljx7fb18Wk5BAwD3cdsaTq26SR9Bu95g9jKUKvZsJKmK_lWSbHH8HlwmYfJRsK5WxLkgzi2ureMm_E/s320/OSCAR.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-large;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> (JB) - </span>Duas idéias se associam, espontâneas, quando pensamos em Oscar Niemeyer: a da alegria e a da infância. Nem todas as crianças são felizes e, por isso mesmo, o adulto, quando pode, recupera o tempo de menino, mesmo que se veja obrigado a recriá-lo, livrando-o das tristezas e revivendo as horas felizes, ainda que escassas. Oscar foi, acima de tudo, um artista, que sabia desenhar. Ao ver o que veio de sua obra, poderíamos repetir – e com mais razão – o verso de Vicente Aleixandre, sobre Pablo Picasso: o mundo era uma linha na mão do menino.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-large;"> A linha, na mão de Oscar, não foi habitar apenas a tela ou a cartolina: saiu de seus dedos para, na doma da arquitetura, levantar igrejas e palácios, universidades e capelas. Muito do mundo saiu de sua mão de gênio.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-large;"> Oscar sempre foi o menino que amava contestar o mundo feito pelas normas, ou seja, pelos esquadros. Por isso mesmo, amolgou o ângulo reto, para voltar à verdade da curva. A inspiração, revelada, do corpo feminino para a sua ousadia em concreto, parece ter sido uma travessura de adolescente, e talvez tenha sido como ele costumava dizer.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-large;"> Alguns de seus melhores amigos foram também moleques, naquele sentido lúdico do vocábulo. E entre todos os que já se foram, o mais próximo na visão menina da vida, foi Darcy Ribeiro. Foram moleques os dois, pela vida a fora, e muitos daquela geração brilhante – e honrada pelo patriotismo e pela solidariedade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-large;"> E já que lembramos o espanhol Aleixandre, podemos recordar, também, a norte-americana Gertrud Stein, que considerava a alegria a coisa mais séria da vida. Porque eram meninos e porque eram alegres, Darcy e Oscar, Vinícius e Tom Jobim, entre outros de nossos anos dourados, foram homens sérios.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-large;"> Tememos a morte, porque a desconhecemos. Oscar ludibriou a morte, até a bela idade a que chegou, por amar intensamente a vida. Ele parecia com ela negociar, sempre aceitando um novo trabalho, na certeza de que lhe seria concedido o tempo de cumprir seu compromisso, de concluir o seu projeto. Em seus últimos dias, revivendo a juventude leve e livre, pediu a Vera, sua mulher, que conseguisse alguns pastéis. Isso me fez lembrar o que ele me disse certa vez: não conhecia iguaria melhor do que pastéis fritos, quentinhos, engordurados e quase torrados, e ainda mais saborosos se combinados com chope gelado. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-large;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Oscar e Darcy foram companheiros na trilha da utopia, esse caminho sem fim, mas no qual o destino que conta se alcança em cada passo. Um dia Oscar foi visitar Darcy Ribeiro em seu gabinete no Senado. Como o seu companheiro de travessuras não estava, fez, na parede branca, um belíssimo desenho. Era o recado que ali deixava para o amigo. O senador Francisco Dornelles, ao ocupar o mesmo gabinete, fez questão de manter o afresco em sua parede.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-large;"> Oscar, em seus 105 anos, morreu menino.</span></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3323325849017119695.post-70886638457456578372012-08-13T10:21:00.001-07:002012-08-13T10:31:43.142-07:00O BRASILEIRO JORGE AMADO<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgb56rFXYiGnbpbTudq-XNLxBbma1a8po6zwBEW0pK2mxJ-IIn8xZMn1p_ci6WB1y9LINHS2Nlz0A7hAWVhabKslRSLV91jGxXLn-KhJXwFgJ2657PAhQgJO9iBYSzvcFm_4AyA1K85sEk/s1600/JOIRG.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="193" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgb56rFXYiGnbpbTudq-XNLxBbma1a8po6zwBEW0pK2mxJ-IIn8xZMn1p_ci6WB1y9LINHS2Nlz0A7hAWVhabKslRSLV91jGxXLn-KhJXwFgJ2657PAhQgJO9iBYSzvcFm_4AyA1K85sEk/s320/JOIRG.jpg" width="320" /></a></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, sans-serif;"><span style="font-size: 29px;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;">(HD) - </span>O menino, filho do rico fazendeiro da região do cacau, que foge do colégio, torna-se repórter de polícia aos 14 anos, aprende a viver nos bordéis e nos botequins do porto da Cidade da Bahia, foi um escritor de seu povo. Ser escritor de um povo não é só contar suas estórias, belas ou tristes. É mais do que criar estilos literários, realizar experiências lingüísticas, apelar para metáforas inusitadas. Ser um grande escritor de seu povo, como foi Michael Gold, com Judeus sem Dinheiro; John dos Passos, com Manhattan Transfer; Steinbeck, com Vinhas da Ira; Ferreira de Castro, com A lã e a neve; Érico Veríssimo, com O Tempo e o Vento, e Tolstoi, com Guerra e Paz – entre tantos outros - é incorporar na alma todos os sentimentos, bons e maus, de seus conterrâneos, no momento da recriação literária. É vivê-los nas próprias vísceras, participar de seus sofrimentos, acreditar em seus deuses e acompanha-los no momento da morte.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, sans-serif;"><span style="font-size: 29px;"> Jorge Amado foi o escritor da Bahia, da Bahia que dera nascimento ao Brasil e à sua literatura com o gênio cáustico de Gregório de Mattos Guerra; da Bahia que consolidou a independência, com a gesta heróica de 2 de Julho; da Bahia do irredentismo da Revolução dos Alfaiates. E, por isso mesmo, um brasileiro.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, sans-serif;"><span style="font-size: 29px;"> É velha a discussão entre a literatura e a política. Toda literatura - como os poemas e peças teatrais gregas - trata das relações entre os seres humanos, todas elas condicionadas pelas tensões do poder. A obra literária é sempre política. É assim que podem ser lidos os textos de Guimarães Rosa, inspirados, como se sabe, pelos relatórios da Polícia Militar de Minas, antiga Força Pública. Ao escrever seu excelente ensaio sobre o Rio São Francisco, Marco Antonio Coelho trata do assunto, ao identificar um dos personagens fortes de Grande Sertão:Veredas, o enigmático Zé Bebelo, vencido, na ficção, pela ousadia de Riobaldo. Guimarães se baseou na vida real do “coronel” Rotílio Manduca, chefe político e responsável, conforme a lenda, pela morte de mais de duzentos inimigos, no Vale do São Francisco.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, sans-serif;"><span style="font-size: 29px;"> Jorge Amado foi um grande militante político. Ao eleger-se deputado federal pelo Partido Comunista apresentou projetos de lei como o da efetiva liberdade religiosa – ele que era rigorosamente ateu, ainda que acolhido nos terreiros de candomblé. Dele tenho a memória de um forte convívio, no Brasil e no Exterior. Fomos membros da Comissão de Estudos Constitucionais, que elaborou o anteprojeto da Constituição de 1988 e ali sempre coincidimos em nossas posições.</span></span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, sans-serif;"><span style="font-size: 29px;"> Ele se orgulhava de que o definissem como “o romancista das prostitutas e dos vagabundos”. Ele sempre foi o romancista do povo pobre, explorado e oprimido de nosso país.</span></span></div><br />
<span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3323325849017119695.post-43338737564604143512012-07-09T19:46:00.001-07:002012-07-09T19:46:09.704-07:00GABRIEL GARCIA MARQUES. O TRISTE OUTONO DE UM GÊNIO<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhK6r1r_IyuRR_pJMTLEn-mStcMPu64L1mBNjnrbpyOEWrgOcwJPibrJE31jIiMtv4d9IGj1fITiFrWw4RvRIZLYy2DF0HUvx-_1W_gwPWmgd6FciabN-sAdM4qql0TxWxMTHzXw22lVVE/s1600/AGABO.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 224px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhK6r1r_IyuRR_pJMTLEn-mStcMPu64L1mBNjnrbpyOEWrgOcwJPibrJE31jIiMtv4d9IGj1fITiFrWw4RvRIZLYy2DF0HUvx-_1W_gwPWmgd6FciabN-sAdM4qql0TxWxMTHzXw22lVVE/s320/AGABO.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5763364766748112690" /></a><br />
<p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style=" ;font-family:Verdana, sans-serif;font-size:22pt;"> Entre outras dívidas que tenho para com a memória de Jorge Amado está a de ele me ter apresentado, em 1972, <st1:personname productid="em Bad Godesberg" st="on">em Bad Godesberg</st1:personname>, a Gabriel Garcia Márquez. Era um encontro de escritores latino-americanos, patrocinado pelo governo alemão, que eu cobria para este JB, e pude conhecer, também ali, o genial gualtemateco Miguel Angel Astúrias. Dissera a Jorge de minha admiração por <i>Cién años de soledad</i>, ao manifestar a minha timidez diante do gênio. Jorge sorriu e me confidenciou: “o escritor escreve para ser admirado. Vamos conversar com ele”. Assim, conversamos algum tempo com Garcia Marques. Ele já se encontrava no planalto de sua glória. Era ainda muito jovem, e exibia, aos 44 anos, o bigode um pouco grisalho.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style=" ;font-family:Verdana, sans-serif;font-size:22pt;"> Gabriel foi extremamente amável e me disse que éramos colegas. Colegas no jornalismo, o que o autorizava a ver-me também como escritor. O bom jornalismo é sempre boa literatura, disse. E quem não sabe escrever, não faz literatura, nem jornalismo. Só pode ser considerado jornalista ou escritor aquele que vive do que escreve.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style=" ;font-family:Verdana, sans-serif;font-size:22pt;"> Ele me surpreendeu pelo bom humor. Antes Astúrias me impressionara pela sobriedade. Enfim, entre um e outro, havia quase trinta anos de diferença.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style=" ;font-family:Verdana, sans-serif;font-size:22pt;"> Não o vi em Praga, quando ali encontrei, em dezembro de 1968, Carlos Fuentes e Julio Cortazar. Ele, naquela noite - que foi a do AI-5 no Brasil - era convidado especial de Milan Kundera. Eles, juntamente com Jean Paul Sartre, haviam sido convidados pelos intelectuais tchecos, para assistir à premiére de <i>Les Mouches</i>, a peça do escritor francês.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style=" ;font-family:Verdana, sans-serif;font-size:22pt;"> Leio, agora, <st1:personname productid="em El Pa■s" st="on">em El País</st1:personname>, que seu irmão mais moço, Jaime Garcia Márquez, que vive em Cartagena de Índias, conversa com o escritor, pelo telefone, quase todos os dias. A pedido de Gabriel, fala do passado que o irmão está perdendo. O escritor transita em seu labirinto, e o tênue fio de Ariadne é a voz do irmão. Não teremos mais notícias novas do mundo fabuloso que ele criou, tendo como centro a instigante Macondo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style=" ;font-family:Verdana, sans-serif;font-size:22pt;"> Gabriel está com demência senil, um dos sinônimos da Doença de Alzheimer. Com a memória, ele perdeu também as letras. Não escreverá mais - de acordo com a dolorosa conclusão do irmão. Mas ainda o teremos com vida: é o consolo que nos dá Jaime Garcia Márquez. Enquanto procurar o passado, Gabriel, de um mundo que se esvazia, estará voltando ao mundo que criou.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style=" ;font-family:Verdana, sans-serif;font-size:22pt;"> Em Roma, em 1987, José Saramago, outro que deixou o jornalismo pela literatura, me disse que gostaria de morrer quando estivesse buscando a frase ideal para colocar na boca de um personagem estúpido: “quando não conseguir mais isso, estará na hora de morrer”. Mas Saramago era homem de uma Europa sempre angustiada. Gabriel é homem de nossa América, e, por isso, insiste em recuperar a vida que se esmaece, porque na vida, em nossa geografia humana, sempre habita a alegria da esperança. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><o:p> </o:p></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><o:p> </o:p></p>Unknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-3323325849017119695.post-54036222714058963062011-07-22T07:03:00.001-07:002011-07-22T07:03:02.104-07:00MEMÓRIA DE JANGO<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhl6CpJci9G1esvr9GjvLZ87ygHGQ9eNHWYWOQ1eWqtVtX3B1b0TekRYOqDKGqzmkjFMSR8jqVltbeF8rQUNsHLkYGUhu6qbKSFwmA3vzKhBV5cIltwF3pRK1jWdLWIJD1cR1G791ZMjKY/s1600/jango.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 254px; height: 277px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhl6CpJci9G1esvr9GjvLZ87ygHGQ9eNHWYWOQ1eWqtVtX3B1b0TekRYOqDKGqzmkjFMSR8jqVltbeF8rQUNsHLkYGUhu6qbKSFwmA3vzKhBV5cIltwF3pRK1jWdLWIJD1cR1G791ZMjKY/s320/jango.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5632175151040136098" /></a><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style="font-size:22.0pt; font-family:"Arial","sans-serif";font-weight:normal">Não tive ainda a oportunidade de ler o livro do professor Jorge Ferreira sobre o Presidente João Goulart, mas a simples evocação do grande brasileiro me conduz a algumas lembranças pessoais de um homem solidário com seu povo e que conquistava todos os que o conheciam.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style="font-size:22.0pt; font-family:"Arial","sans-serif";font-weight:normal"><span style="mso-spacerun:yes"> </span>Em 1953, logo depois de nomeado Ministro do Trabalho, Jango visitou Belo Horizonte. Fui encarregado pelo <i style="mso-bidi-font-style:normal">Diário de Minas</i>, onde trabalhava, de acompanhá-lo, em seus contatos oficiais e com os líderes sindicais mineiros. Jango vestia um terno branco, de linho irlandês <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style="font-size:22.0pt; font-family:"Arial","sans-serif";font-weight:normal">S120 (para os que ainda se lembram daquele tempo). Em determinado momento alguém lhe fez um pedido, ele não encontrou caneta nem papel em seus bolsos e apelou para o jovem repórter que se encontrava ao lado. Ofereci o que tinha, uma folha <span style="mso-spacerun:yes"> </span>de papel e uma caneta <i style="mso-bidi-font-style: normal">Sheaffers</i>, de tinta azul. Por uma dessas imprevisíveis fatalidades, a caneta começou a soltar a tinta, sujando as mãos do Ministro. Jango, em ato contínuo, limpou suas mãos no próprio paletó, até então imaculadamente limpo. Fiquei constrangido, e ele me disse que não me incomodasse<span style="mso-spacerun:yes"> </span>- continuaria usando a caneta – e<span style="mso-spacerun:yes"> </span>retirou do bolso um lenço, passando a usá-lo para limpar os dedos, a cada vez que escrevia.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style="font-size:22.0pt; font-family:"Arial","sans-serif";font-weight:normal"><span style="mso-spacerun:yes"> </span>Em 1975, estive <st1:personname productid="em Buenos Aires" st="on">em Buenos Aires</st1:personname> para redigir um livro sobre a Argentina. Visitei o escritório comercial de Jango, instalado no centro da cidade. Conversamos sobre os dois países e a situação política. O presidente se lembrou do nosso exílio em Montevidéu - quando nos vimos algumas poucas vezes – <span style="mso-spacerun:yes"> </span>de Belo Horizonte e de minha caneta esbodegada.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style="font-size:22.0pt; font-family:"Arial","sans-serif";font-weight:normal"><span style="mso-spacerun:yes"> </span><span style="mso-spacerun:yes"> </span>– <i style="mso-bidi-font-style:normal">Tu me deves um terno de linho irlandês, </i>lembrou para o meu desconforto, e sorriu.<span style="mso-spacerun:yes"> </span>Como eu estivesse em companhia de Wania, minha mulher, cujo sofrimento nos meses que se seguiram ao golpe ele conhecia, bateu-me afetuosamente no ombro, enquanto a olhava, e disse: - <i style="mso-bidi-font-style:normal">Se os militares te fazem a<span style="mso-spacerun:yes"> </span>vida impossível, vem com tua família. Na estância haverá um lugar para todos, e não faltará uma ovelha para carnear.</i><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style="font-size:22.0pt; font-family:"Arial","sans-serif";font-weight:normal"><span style="mso-tab-count: 2"> </span><span style="mso-spacerun:yes"> </span>Foi a última vez que o vi. Fiquei preocupado porque ele mantinha sempre à mão<span style="mso-spacerun:yes"> </span>comprimidos de trinitrina:<span style="mso-spacerun:yes"> </span>sofria de cardiopatia, e o remédio, poderoso, serviria para, em caso de urgência, dilatar os vasos até o socorro médico. No ano seguinte, em dezembro de 1976, quatro meses depois de Juscelino, Jango morreria no exílio. Cinco meses mais tarde, em maio de 1977, seria a vez de Lacerda. Tancredo duvidava daquela coincidência: em menos de um ano, os três morreriam, a seu ver, de forma estranha. Segundo informações posteriores, um agente, a serviço da Operação Condor, teria trocado o vasodilatador por outra droga, o que teria matado JANGO em sua estância argentina.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style="font-size:22.0pt; font-family:"Arial","sans-serif";font-weight:normal"><span style="mso-tab-count: 2"> </span><span style="mso-spacerun:yes"> </span>Jango não escolhera seu destino. Filho de rico estancieiro, ao aproximar-se de Vargas,<span style="mso-spacerun:yes"> </span>comoveu-se com a vida austera e discreta do ex-presidente, confinado em sua fazenda do sul. Não era um intelectual, como Lacerda, nem um visionário, como foi Juscelino, com os quais tentou a famosa Frente Ampla contra a ditadura. Aprendera, com Getúlio, a respeitar os trabalhadores e dava real importância às organizações sindicais, como contraponto às sólidas e poderosas instituições patronais.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style="font-size:22.0pt; font-family:"Arial","sans-serif";font-weight:normal"><span style="mso-spacerun:yes"> </span>Em 1954, ao cobrir os fatos que se seguiram à morte de Vargas, vi quando Jango – que morava em um hotel de Copacabana – chegou ao Catete, tirou do bolso um documento e leu em silêncio, o rosto tenso. Provavelmente se tratava de cópia da carta-testamento que Getúlio lhe entregara antes de terminar a reunião ministerial, da noite anterior, com a observação de que se tratava de um assunto a ser resolvido no dia seguinte – como se soube depois. Essa foto ilustrou, se não me falha a memória, a matéria que redigi sobre os fatos, e foi publicada na edição de 26 de agosto do <i style="mso-bidi-font-style:normal">Diário de Minas</i>.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style="font-size:22.0pt; font-family:"Arial","sans-serif";font-weight:normal"><span style="mso-spacerun:yes"> </span><span style="mso-spacerun:yes"> </span>Ele estava desolado, como o filho que perde o pai, o viajante que perde o caminho. Mas, no dia seguinte, logo depois do sepultamento de Getúlio, <st1:personname productid="em São Borja" st="on">em São Borja</st1:personname>, reuniu-se a Oswaldo Aranha e a Tancredo Neves. Os três avaliaram a situação e concluíram que era necessário colocar nas ruas uma candidatura presidencial, a fim de coibir o golpe antinacional que estava em marcha, sob o governo frouxo e cooptado de Café Filho. Ali se decidiu que a candidatura de Juscelino – um dos favoritos de Vargas – fosse lançada em seguida.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style="font-size:22.0pt; font-family:"Arial","sans-serif";font-weight:normal"><span style="mso-tab-count: 3"> </span>Jango tinha uma visão de Estado que continua válida até hoje. Se ele houvesse conseguido realizar as reformas de base – principalmente a agrária e a bancária – o Brasil teria chegado a seu futuro mais cedo. Os trabalhadores do campo escapariam das brutais condições impostas pelo latifúndio, aumentaria a produção de alimentos e, como ocorreu em outros países, seria ampliado o mercado interno para a indústria nacional. A reforma bancária colocaria ordem no sistema financeiro – providência a cada dia mais necessária, aqui e em todas as partes. O golpe de 1964 atrasou o processo de construção nacional, que só foi retomado com Itamar, para em seguida frustrar-se durante oito anos, e ser retomado por Lula, com sua política social <span style="mso-spacerun:yes"> </span>que libertou milhões de<span style="mso-spacerun:yes"> </span>brasileiros da miséria.<o:p></o:p></span></p><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 29px; ">Jango, estancieiro rico, que chegara à política pela solidariedade pessoal para com Vargas, tornou-se, pelos seus atos, corajosos e patrióticos, um homem de seu povo.</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3323325849017119695.post-78924050076510193092011-07-02T05:10:00.001-07:002011-07-02T05:11:05.134-07:00O HOMEM DIANTE DA MORTE<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgq0tJqhHSmAzzrcrqz5fIny0P3fCe3Sd3R5_zx_FP0n8iMOkg7mCPdTrNBcLmpCFW9pCZU-aK4UMcxljN4WIdJAuOniQMqnPO6Lw0PloLUXj42Yxi7ZVN0-pD50fF-sL6d7_hSs56uzYM/s1600/jose.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5591773261973064082" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgq0tJqhHSmAzzrcrqz5fIny0P3fCe3Sd3R5_zx_FP0n8iMOkg7mCPdTrNBcLmpCFW9pCZU-aK4UMcxljN4WIdJAuOniQMqnPO6Lw0PloLUXj42Yxi7ZVN0-pD50fF-sL6d7_hSs56uzYM/s320/jose.jpg" style="cursor: hand; cursor: pointer; float: left; height: 220px; margin: 0 10px 10px 0; width: 229px;" /></a><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 29px;"> Conheci bem José Alencar, e conheci bem Teotônio Vilela. Minhas relações com o alagoano eram marcadas pelo patriotismo radical que ele passou a exercer na luta contra a ditadura, já diagnosticado o câncer que o levaria. Com Alencar, a nossa cumplicidade era a província de Minas. Foi em nome de Minas que pude contribuir para sua eleição ao Senado. Em 1998, asfixiadas as montanhas pela arbitrariedade manhosa do governo federal de então, a vitória de Itamar era vital para a recuperação da autonomia do Estado. Sabíamos, desde o início, que a eleição iria para o segundo turno. Como as eleições para o Senado se resolveriam no primeiro, José Aparecido de Oliveira e eu, sem discutir o assunto com os candidatos, concluímos ser absolutamente necessária a vitória de Alencar. Se perdêssemos a cadeira do Senado para os adversários, a posição do governador Eduardo Azeredo, que disputava a reeleição, estaria fortalecida - e comprometida a restauração política de Minas. Foi assim que Aparecido e eu nos escalamos, para trabalhar pela vitória de Alencar. Dediquei-me a ajudá-lo, na organização de seu discurso de campanha.</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 22pt;"> Teotônio sabia da gravidade da própria enfermidade e tinha a consciência da morte. Eu trabalhava na <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Folha de S. Paulo</i>, e Octavio Frias Filho sugeriu-me que o entrevistasse, em 1982. Foi a entrevista mais demorada que fiz em minha vida. Teotônio falou-me, pela primeira vez, na casa de uma de suas filhas, <st1:personname productid="em S ̄o Paulo. Quando" st="on"><st1:personname productid="em S ̄o Paulo." st="on">em São Paulo.</st1:personname> Quando</st1:personname>, no dia seguinte, preparava para redigir o texto, recebi seu telefonema. Queria acrescentar alguma coisa esquecida. E assim ocorreu por quase duas semanas. Ele sempre interrompia o meu trabalho, lembrando-se de uma idéia, de um detalhe. E fazia questão de ir à minha casa, tornando-se, naqueles dias, íntimo da família. As nossas conversas ocupariam um livro de razoável tamanho. Tive, no texto final, que cortar trechos também importantes, para me cingir a duas páginas do jornal. Daí em diante, sempre que ele ia a São Paulo, nós nos encontrávamos, no Hotel Otton Pálace, onde se hospedava, ou em minha casa.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 22pt;"> Nos dois homens públicos encontrei o mesmo confronto com a idéia da morte. Teotônio não a temia, embora amasse profundamente a vida. Ele fez da pressa (sabia que o tempo se encurtava) seu ânimo, e saiu pelo Brasil, clamando pela pátria que existia, mas era desdenhada pelas elites, às quais, pelo nascimento, pela carreira e pela fortuna, ele pertencia. Em nossa última conversa, pelo telefone, ele me disse: “o óleo da candeia já está acabando, só resta o molhado da mecha. Estamos indo, Mauro”. Em Teotônio, a busca do poder era responsabilidade legada pelos ancestrais. Vinha com a escritura da fazenda e as máquinas da usina, além, é claro, dos restos dos engenhos mais antigos. De uma família que, consciente de seu papel, endereçara Teotônio à política, e seu irmão, Dom Avelar, que foi Cardeal Primaz do Brasil, ao sacerdócio. José Alencar, nascido na Zona da Mata de Minas, enfrentou o trabalho muito cedo. Autodidata, chegou à vida pública depois de vitoriosa carreira empresarial. Faltava-lhe a realização política e a ela se dedicou já homem maduro. Aproveitou, com inteligência, a ajuda das circunstâncias, ao aceitar o convite de Lula, e dar ao eleitorado da classe média (mais do que aos eleitores das elites, conhecedores das coisas como elas são) o aval para a vitória do operário.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 22pt;"> Mas, em ambos, na obstinação pelo aproveitamento das horas que se esvaíam, houve a mesma postura diante da morte: a de recebê-la, como dizia Manuel Bandeira, em seu poema conhecido, “lavrado o campo, a casa limpa, a mesa posta, cada coisa em seu lugar”. <o:p></o:p></span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3323325849017119695.post-86428932726833338782011-07-02T05:08:00.001-07:002011-07-02T05:09:06.520-07:00ROSA E OS SERTÕES<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_BkuxZLzHUI8fytxmHOGLjviUpGETe19w0ZLNMgroosNOe7uYiiXsbTXFH3wswXjDzaLheh8fS_PPI0J0GopQs5e3hfGQveJArDdHSc9kR4Tzy7qC4ezj6NIBptkfuqGH5Exc4h8gIpk/s1600/Aracy+Guimar%25C3%25A3es+Rosa.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 147px; height: 200px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_BkuxZLzHUI8fytxmHOGLjviUpGETe19w0ZLNMgroosNOe7uYiiXsbTXFH3wswXjDzaLheh8fS_PPI0J0GopQs5e3hfGQveJArDdHSc9kR4Tzy7qC4ezj6NIBptkfuqGH5Exc4h8gIpk/s200/Aracy+Guimar%25C3%25A3es+Rosa.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5582138815629841906" /></a><p class="ecxmsonormal" style="text-align:justify"><span style="font-size: 20pt; "><span class="Apple-style-span">A morte de Aracy Guimarães Rosa faz-me retornar aos sertões mineiros, transfigurados pela narrativa do grande escritor. Quando avançava a construção de Brasília, e isso coincidia com o surpreendente êxito de seu livro mais conhecido, o engenheiro e político Israel Pinheiro, homem prático, disse que a nova capital acabaria com o sertão de Guimarães Rosa. Ele fundava o seu juízo na realidade geográfica: as mais fortes passagens do grande romance se localizam na margem esquerda do São Francisco e avançam por Goiás, subindo os afluentes ocidentais do grande rio.<o:p></o:p></span></span></p><p class="ecxmsonormal" style="text-align:justify"><span style="font-size: 20pt; "><span class="Apple-style-span">O progresso, previu Israel, transformaria os costumes e a economia da região.<span class="apple-converted-space"> </span>É certo que muita coisa mudou. A civilização do couro, como atiladamente<span class="apple-converted-space"> </span>Affonso Arinos a localizara ali, foi substituída pelo agronegócio, muito mais rendoso do que a pecuária extensiva. A velha vida rural, centrada nos pequenos povoados e fazendas, se reduz, cada dia mais, às propriedades pequenas e médias, de exploração familiar, ou quase familiar, enquanto se estendem as grandes plantações de soja e milho, fertilizadas e molhadas pela irrigação artificial. Não há mais carros de bois, a não ser como adorno diante das sedes das propriedades rurais. Os bois de lida, que puxavam arados e outros implementos, desapareceram. Os cavalos ainda são úteis, mas apenas dentro das propriedades, ou como animais de estima, não mais para as viagens, ainda que curtas. O roceiro cedeu seu lugar ao operário, que manobra as pesadas máquinas agrícolas, e, no cuidado dos bois confinados, moem grãos e gramíneas, alimentam os cochos, despacham as reses gordas para os frigoríficos. Não há mais vaqueiros, nem comitivas, como a que ele acompanhou há quase 60 anos.<o:p></o:p></span></span></p><p class="ecxmsonormal" style="text-align:justify"><span style="font-size: 20pt; "><span class="Apple-style-span">Guimarães acompanhado do fotógrafo Eugênio Silva, viajou pelo Urucuia, pela primeira vez, em 1952. Não há notícia de que o haja cruzado antes, embora tenha nascido em Cordisburgo, no vale do grande rio. Foi nessa viagem que ele pôde<span class="apple-converted-space"> </span>ver de perto os vastos gerais do Oeste e conhecer suas grandes figuras humanas, como Manuelzão, que o impressionaria pelo porte e pelo saber. Mas o verdadeiro grande sertão, que ele descreveria em sua obra literária, Guimarães já o trazia na mente.<o:p></o:p></span></span></p><p class="ecxmsonormal" style="text-align:justify"><span style="font-size: 20pt; "><span class="Apple-style-span">O grande escritor tinha o talento de repórter. Médico da Força Pública de Minas, pôde vasculhar os arquivos do 9º Batalhão de Caçadores, sediado em Barbacena, e do 3º, de Diamantina. Nesses arquivos soube da existência de personagens como os Militão e os Guerreiro, famílias adversárias do Médio São Francisco, e dos grupos de jagunços que percorriam a região nos primeiros anos do século 20, sob o comando de chefes políticos que<span class="apple-converted-space"> </span>retrataria com os nomes literários de Medeiro Vaz, Joca Ramiro, Zé Bebelo. Médico de roça, em Itaguara, no Vale do Paraopeba, outro afluente do São Francisco, Guimarães pôde penetrar na genuína alma mineira, que ele mostrará nos contos de Sagarana (principalmente em “O Duelo”). A visão quase humana dos animais, como em “O Burrinho Pedrês” e “Conversa de Bois” faz parte da transcendentalidade mineira<span class="apple-converted-space"> </span>do Alto São Francisco. A linguagem surpreeendente de “Corpo de Baile” e “Grande Sertão” não é o traço mais profundo da literatura de Rosa. Ainda que ele não tivesse a sua extraordinária cultura literária,<span class="apple-converted-space"> </span>sua obra teria sido da mesma forma monumental. Mais do que tudo, Guimarães foi um interessado no homem, que, nos sertões, é obrigado a ter um caráter mais nítido, a viver e a morrer com fé, paixão e coragem.<o:p></o:p></span></span></p><p class="ecxmsonormal" style="text-align:justify"><span style="font-size: 20pt; "><span class="Apple-style-span">É uma pena que a viúva de Guimarães tenha sobrevivido ao grande escritor em completo recolhimento. Faltou, em tudo o que se disse sobre o grande escritor, o melhor depoimento, que seria de Aracy, sua discreta companheira por quase trinta anos.</span><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-size:20.0pt;line-height:115%"><o:p> </o:p></span></p><p></p><p style="TEXT-ALIGN: justify" class="ecxMsoNormal"><span> </span><span> </span></p>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3323325849017119695.post-72504413426687330102011-05-27T10:52:00.000-07:002011-05-27T11:27:24.747-07:00COMO SE MATA UM POETA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgPbRoLggsZhG50lubUV4aht2ecn2NRiD9rB9oNoCaSbDa0zdpH5b2URDJyUuBwKqmDixy5aEmTY8lXjRwvl-h3TxBhLUxAmCoXXWUaJWASDJ-DCY4Efiu3BOLNcJ2Ynq7CPlVkdMiPlJM/s1600/200px-Lorca_(1914).jpg" imageanchor="1" style="clear: left; cssfloat: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgPbRoLggsZhG50lubUV4aht2ecn2NRiD9rB9oNoCaSbDa0zdpH5b2URDJyUuBwKqmDixy5aEmTY8lXjRwvl-h3TxBhLUxAmCoXXWUaJWASDJ-DCY4Efiu3BOLNcJ2Ynq7CPlVkdMiPlJM/s1600/200px-Lorca_%2525281914%252529.jpg" t8="true" /></a></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 20pt; mso-bidi-font-family: 'Times New Roman'; mso-bidi-font-size: 12.0pt;">Federico Garcia Lorca revia os originais de A casa de Bernarda Alba, ao lado do piano. Eram os primeiros dias do levante fascista de Franco contra a República, e ele tinha medo. Ali, no segundo andar da casa de destacado membro da Falange, o poeta e amigo Luis Rosales, onde, isolado, se escondia, sentia-se assustado, inquieto, insone. A 300 metros estava o centro da repressão. A casa estava vazia de homens: todos estavam metidos na guerra que se iniciava. Com a dona da casa, mãe de Rosales, que se chamava Esperanza, sua filha e sua irmã, o poeta se sentia um pouco confortado, mas as via raramente. Sua última peça, talvez a mais densa, lhe retardara a partida para Granada com seus pais, no dia 5 de julho de 1936. Ele preferira ficar mais alguns dias na capital, a fim de ler os originais de A casa de Bernarda Alba para os amigos. No dia 13, quando o governo da Frente Popular, eleito em fevereiro, enfrentava várias contradições, Federico tomou o trem para sua cidade, e, ao chegar, seguiu logo para a chácara familiar, em Fuente Vaqueros. No dia 17, ocorreu a sublevação militar em quase todas as grandes cidades espanholas. Lorca começou a sentir-se em perigo. Ao perceber que sabiam de sua presença em Fuente Vaqueros, pediu asilo a Luis Rosales, seu amigo pessoal. No dia 5 de agosto, Rosales o buscou e o levou .para sua casa em Granada.</span></div><div style="text-align: justify;"><br />
<span style="font-family: Arial; font-size: 20pt; mso-bidi-font-family: 'Times New Roman'; mso-bidi-font-size: 12.0pt;">Ali recolhido, Lorca sabia vagamente do que estava ocorrendo à noite, quando Luis Rosales lhe dava informações. Ele parecia arrependido de não ter fugido para mais longe: a violência dos franquistas na Andaluzia era mais exacerbada do que no resto do país, Desde a manhã de 18 de julho, a guarnição militar de Sevilha se encontrava sob o comando de Queipo de Llano. A República se perdera nas divisões internas, a partir do assassinato de Calvo Sotelo, e hesitara naquelas primeiras horas do alçamento do Exército.</span></div><div style="text-align: justify;"><br />
<span style="font-family: Arial; font-size: 20pt; mso-bidi-font-family: 'Times New Roman'; mso-bidi-font-size: 12.0pt;">Federico, segundo se sabe, nada escreveu nos 11 dias em que esteve na casa dos Rosales. Sua mente .caminhava entre A casa de Bernarda Alba, edificada com sua emoção, e as próprias lembranças. Aos 38 anos, depois de vida intensa sob o aplauso do mundo, centro de um grupo em que brilhavam Buñuel, Dali, Rafael Alberti, Miguel Hemandez e Neruda, o criador de Romancero gitano, La casada infiel e Bodas de sangre estava com os olhos vazios. Sua carreira durara 19 anos apenas, mas o fizera o maior dos poetas espanhóis, desde o século de Cervantes.</span></div><div style="text-align: justify;"><br />
<span style="font-family: Arial; font-size: 20pt; mso-bidi-font-family: 'Times New Roman'; mso-bidi-font-size: 12.0pt;">Preso na tarde de 16 de agosto, Lorca foi levado para a sede do governo civil. Na manhã do dia 18 ou 19 (a data não é precisa) chamaram-no. Pressentiu o fim. Pediu um padre, mas o sacerdote já se fora, informado de que não haveria execuções naquela manhã. Nas cercanias de Granada, entre Viznar e Alfacar, ele foi fuzilado junto com três outros. Um de seus companheiros era o professor primário Dióscoro Gonzalez, que usava muletas. Lorca amparou-o, em seu próprio ombro, para que morresse de pé.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"></div>Unknownnoreply@blogger.com0